23.12.08

k A O S

eu canto a cidade
de qualquer canto da cidade
eu ouço o silêncio pegajoso no desespero dos conflitos

sonhos marginalizados
flashes fétidos a pipocar por suas cloacas


eu canto a cidade
feito um cão solitário
e em meu latido pálido
carrego as mágoas dos depauperados
nesse canto seco e sujo
nesse lócus estéril e profundo
meu grito é lâmina atroz, volátil

eu encanto a cidade
acesa nos corpos das meretrizes
no ronco dos bêbados com suas esquisitices
nos olhos esbugalhados dos viciados

eu moro na cidade
eu morro na cidade
e meus restos se confundem com o que de resto sobrou
da pulverização total dos dramas
no silêncio visceral das alcovas sangrentas das damas
na mutilação genital dos conceitos

mas às vezes, por questão de sobrevivência,
me calo com a cidade
e fico quieto
e engulo a saliva no ruminar perplexo do engasgo

Um comentário:

Thiago Felício disse...

Sensibilíssima Professor. Em poucas palavras a realidade de um pensamento diante de nossa realidade está descrita em seu belo texto.Indentifiquei-me com estas metáforas...