2.1.11

HELLGIRL

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DREAM

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MONÓLOGOS (IM)PERTINENTES DESSA GENTE TODA




Seu filho d’uma égua não me venha pôr estas frescuras de escritor nas páginas de merda desse seu livro, você está me entendendo? Onde já se viu mesmo, agora virou moda essa gente metida à besta querer contar as histórias como bem entende. Não está vendo mesmo que isso é o fim do mundo! Ora, as histórias dessa merda de lugar conto eu. Tudo o tempo todo girou ao redor do meu umbigo, para não dizer coisa pior, você está me entendendo, seu safado? A primeira cagada quem deu nessa terra fui eu, a primeira mijada foi minha, o cu da primeira peidada foi o meu, a primeira trepada foi a minha. Com todos os diabos do inferno, só eu grito nessa merda, só eu dou as ordens por aqui, só eu canto de galo nesse terreiro, só eu, só eu, só eu, só eu, eu só.
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Oh, meu filho, é você mesmo, é? Você acha que botou as coisinhas tudo no lugar nesse seu livrinho, foi? Você não falou mal de ninguém não, né? Ave Maria, Deus nosso Senhor me livre e guarde de você ter insultado a um e a outro. Ainda bem que você é um bom rapaz, reservado, cuidadoso, que gosta de explicar as coisas direitinho. Essa terra é boa, meu filho, terra abençoada por Deus. Imagine mesmo: no meio de três olhos de água, imagine mesmo. Terra de muita fartura. Lembra de quando você era menino? Das barras de seu Jesus, de seu Oswaldo, de seu Zé Pereira? E o Bananeira, que coisa maravilhosa era. Você contou essas coisas tudinho, meu filho, contou? Deus te abençoe e te guarde.
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Bem que vontade eu tenho, meu menino, de te levar pra minha cama. Era uma caminha tão boa, tão boa. Ah, meu Deus como eu gozei ali em cima daquela cama, às vezes só como mulher, às vezes como puta mesmo, que é como elas me chamavam quando me xingavam quando seus homens deixavam eles no seco e vinham para cá, para se alegrarem comigo, com minhas meninas. Você contou isso nesse seu livro, contou? Ah, foi? Teve coragem? Meu Deus, o que será que elas vão achar? Eu queria ver a cara delas, ah, isso eu queria ver, queria sim.
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De primeiro, só de primeiro eu andava por esta rua, num sabe? E de madrugada, sempre de madrugada, vigiando as casa, num sabe? Andando de riba pra baixo, feito um zumbi, de riba pra baixo, num sabe? O sin-ô vai contá isso, vai? E vai? Mas eu num sô ninguém, nunca fui ninguém, num tem nada de importante na min-a vida, num sabe? Que que o sin-ô vai butá sobre mim, o quê é? Mas, ói, eu até que tô gostando de aparecê assim num livro, num sabe?
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Meu caro autor, devo dizer a vossa senhoria que esse seu livro me desconsertou, deixando-me dividido entre a admiração por tão franca prosa e o receio de haver algo de pornográfico nele. Percebo as construções, os arcabouços literários, coisa que também busquei por toda a vida em meus arremedos literários. Mas, francamente, há passagens que me deixaram corado de pudor. Vossa senhoria bem que poderia, se quisesse, ter maneirado na pena, ter sido mais educado, mais comedido e não deixar essa cadela que é a vida vir assim tão despudoradamente se expor na praça, sob o olhar de toda essa gente. Francamente, meu caro, convenhamos. Entrarei com um mandado de apreensão da obra. Ora, ora, pois, pois. 
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Meu filho tudo que fazemos aqui nesse mundo haveremos de pagar depois de nossa morte. Está tudo nas sagradas escrituras. Eu mesmo vivi durante um bom tempo nessa terra, comi em muitas mesas, bebi de muitos potes, casei, batizei, dei a primeira comunhão e a extrema unção a muita gente. Mas, que Deus me perdoe, meu filho, êita povinho difícil esse, viu? Todo santo dia que passei nessa paróquia foi para resolver alguma pendenga. Não teve um dia, um sequer, que não viesse alguém, fosse quem quer que fosse, trazendo algum angu de caroço para eu resolver. Isso sem falar nos abacaxis e nos pepinos que eu tinha que descascar e nos jilós que me punham na boca. Nem Cristo, meu filho, nem ele tomou mais fel do que esse humilde servo dele nessa terra de Imperador, arre!!! Mas o que passou, passou, já ouço as trombetas, deve ser o Juízo Final. De que lado que você está, meu filho, diga. De que lado você está? O tempo é chegado! Mas me diga... Você tem algum cuscuzinho de milho daqueles de sua avó por aí, tem?
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Êêêêêêêêêêêêêêêêêêêêêêêêê booooooooiiiiii! Êêêêêêêêêêêêêêêêêêêêêêêêê booooooooiiiiii!
Boi bonito. Vaca estrela, ô vaca estrela. Êêêêêêêêêêêêêêêêêêêêêêêêê, booooooooiiiiii. Viche Maria, Meu Deus, quê é isso? Quê  é que, meu pai do céu ? Quem tange esse povo todo, quem tange? Meu Deus, pra onde vai toda essa gente? Se vai prum lado tem ladeira do Pirapora, se vai pro outro tem Serra para subir; pro outro lado tem abismo do Pimenta. Pra riba, mais pra riba tem chão, tem chão, muito chão, muito chão até extremar. Até dizer não.
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Hum, hum, essa não, essa não presta. De jeito qualidade, não presta, não presta mesmo. É como leite, mulher é como leite: deixou pegar, pronto. Como cisco no leite. Ora se não é. Eu quero, eu sei que quero, mas não posso deixar. Não posso. Eles sabem pelos olhos. Dizem que os da gente ficam fugindo dos deles, como rato assustado. Por isso eu não me arrisco. Arrisco não. Tenho vontade, Deus sabe. Mas não posso, não devo.
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Do livro" Debaixo da Figueira do Meu Avô", de Ernâni Getirana (livro novo saíndo em 2011)

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