23.12.08

despoema ao Pirapora

Alguém me disse que parasse de escrever poemas a ti, Pirapora,
E eu, atônito, espremido entre o riso e o espanto
Levei um século para perguntar-lhe: mas por quê?

Porque não se faz poema a moribundos.
A estes ou se tenta reviver
Ou quando não houver mais jeito, que assim seja.
Disse ela fuzilando-me com os olhos.

Perdido em meu deserto de poeta,
Palmilhando as esquinas enluaradas de outrora,
Passeando bem defronte dos canteiros da praça da matriz
Aquela frase caia-me como uma espada de Alá
Sobre minha cabeça que era só estupefação e desassossego.

Como não te fazer mais nenhum poema
Logo eu que te teci em rima e verso
E que, confesso, ainda lacrimejo quando me recordo de ti
Outrora exuberante, impávido, imponente monumento natural?
Logo eu que bebi de tua água sagrada e ali fui batizado em nome de Gaia!

Como não mais erguer o punho
E rabiscar, entre o suspiro e o lampejo,
Um verso largo, oceânico,
Ou mesmo um desses versos tolos
Que os adolescentes compõem e os espalham entre as estrelas,
Ao menos um verso simples
Que comportasse tua sereia
Teus ocasos ensangüentados de sol e de paixão?

Como não mais pegar do violão
E dedilhar o burburinho de tuas lavadeiras
Que riam,outrora, entre o coaxar de sapos
E o sibilar de libélulas
Todos igualmente livres, sabiamente harmônicos.


“Não comporás mais nenhum poema ao Pirapora...” A frase vinha-me agora em sonhos!
“A menos que vejas a alma desse lugar, não comporás mais nenhum poema!”
Que já foi paraíso e hoje é esquecimento
Tardio lugar onde a vida flutua
Trêmula e angustiadamente
Mas que não se entrega e teima em permanecer.

Está certo: por enquanto não comporei nenhum poema ao Pirapora
Porque agora o momento é de agir,
Porque agora o momento é de interferir
Para ajudar a vida a voltar a acontecer, plena e bela
Como a vida sempre quis ser.


Compreendo, agora, que o poema de que o Pirapora precisa
É o poema tecido por todos,
Não apenas pelas mãos solitárias do poeta.

Compreendo que é preciso compor um poema coletivo
Escrito nas águas, escrito no vento
Para ser espalhado aos quatro cantos.


Porque o Pirapora é nossos avós
O Pirapora sou eu-árvore e é você-rocha, o outro-água ... cotidianamente.

E, quem sabe, assim, no futuro
Quando todos formos só lembrança
(Ou nem mesmo mais isso)
Algum outro poeta, diante daquela beleza monumental,
Mirando do paredão um horizonte coalhado de quase saudade
Quem sabe, então, este poeta volte a compor um poema ao Pirapora,

Mas aí então, não haverá mais a necessidade
De separar o Pirapora da poesia
Só porque um dia fomos todos prepotentes demais....

(* Pedro II, 14 Fev. 2004, I Fórum Ambiental da Grande Pedro II)

Nenhum comentário: