29.12.10

O CIRCO

O serviço de som mal havia sido montado e a meninada já se perfilava aos gritos e aos pulos diante da rural velha, caída aos pedaços. O palhaço perna-de-pau tomou a frente e, com um megafone de flandres, emendou:
-          Hoje tem espetáculo? Ao que os ensurdecedores meninos respondiam:
-          Tem, sim, senhor!
-          Às nove horas da noite?
-          É, sim, senhor!
-          Eu quero ver, eu quero ver.
-          A Maria Terêrê!
-          E aí, criançadaaaaaaaaaaaaaaaaaa! E o palhaço, o quê é?
-          É ladrão de mulher!

A turba sumiu na esquina da Piladeira de Arroz. Era uma construção robusta, construída com pedra lisa e argamassa. Nos fundos havia um monte enorme de palha de arroz quase tão alto quanto a cumeeira da casa. As máquinas haviam parado de trabalhar há pouco e os empregados suando em bicas saíram à calçada para apreciar o corso circense que seguia agora para as bandas do Campestre. Depois foram todos em magote tomar banho no Pirapora.

Ao passar pela avenida Coronel Cordeiro a viúva do cabo Xavier ousou pôr o rosto magro e sofrido para fora da janela. Um quase riso revelou-se-lhe nas faces. O finado adorava circo. Mal chegava um na cidade e era ele quem se oferecia para fazer a guarda. Assim conseguia umas cortesias para os dois filhos mais ela. Ficava na entrada do circo o mais que podia. Mas tão logo o espetáculo começava e ele dava um jeito de pôr em seu lugar um subordinado e ia assistir ao espetáculo com a família. Agora nem mais essas pequenas alegrias iam ter em família. Não depois daquele tiro certeiro no meio da testa que nem deixou que ele fechasse os olhos. Quando o viu estirado na calçada parecia que não era ele. Por alguns instantes pensava se tratar de um boneco. Embora se parecesse demais com ele. Sim, era ele, sem dúvida. Com aqueles olhos vidrados em seu assassino antes de ir-se para sempre.

Torquato Filho  também parou antes do beco dos Carrapichos e ficou olhando para aquela arrumação. O palhaço das pernas de pau, ao longe, era a única figura que se destacava da massa compacta. Ele teve dificuldade em enxergar mais porque o sol poente lhe varava a visão. Mesmo com o dorso da mão servindo-lhe de anteparo, os olhos começaram a lacrimejar. Ajeitou a toalha no ombro e rumou para o banho das seis horas da tarde lá no Pirapora.

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Um comentário:

Horácio Lima disse...

Que época essa hein caro primo Ernâni, vc me fez viajar no túnel do tempo, tempos que jamais voltará, só através destas lindas histórias que podemos voltar ao passado.

Boas festas a todos, fevereiro próximo tô indo a C.Maior e esticando até Pedro II, aquela torta da tia Lilita é inesquecível.

Um feliz 2011.