Quanta gente que se julgava importante tendo sido gerada no ôco do mundo, não é professor? Levantei os olhos cansados de tanto fuçar nos papéis velhos e a cara do outro estava a poucos palmos da minha. Vermelho como pimentão o homem me confidenciou histórias do tempo do bumba, em suas palavras.
Tanta gente aqui que acha que pode tudo, professor, e não passam de um bando de retirantes. O senhor já pensou, não passam de um bando de retirantes. A cara ficara mais vermelha. Senti em seu bafo quente com cheiro de cigarro uma zanga profunda que aqueles olhos miudamente esverdeados não me deixavam enganar. Um ódio destilado gota a gota ao longo de sua vida de guardador de documentos.
Eu sei de tudo que esses filhos de uma égua são. Conheço tudinho pelo rabo. Pelo cheiro da merda. Sei quem é neto de quem, quem é avô de quem, quem é parente de quem. Quem pulou a cerca com quem. Quem se meteu com cada qual. Sei tudinho. Muita merda, professor, muita merda. Muita catinga, o senhor me acredite mesmo. Esse aqui, ó, e apontou com o dedo que terminava numa unha bem tratada, pintada com esmalte transparente bem diferente de quando andavam com elas metidas em barranco de opala. Esse aqui mandou matar pra mais de uns doze. Doze que a gente sabe. Mas deve ter sido mais, muito mais. O cheiro de cigarro aumentara com a proximidade daquela cara da minha.
Esse outro aqui, só queria ser o tal, mas o merda não passava de um bastardo, o filho da puta. E riu alto, tão alto que a moça que atendia no balcão a um casal de noivinhos veio até à porta do depósito ver do que se tratava. Mas o homem nem ligou. Continuou rindo alto. Pegou outro papel. Esse aqui foi um dos maiores ladrões de terra que já deu por estas bandas. Não passava um ano que não mandasse para cá algum documento para ser carimbado e, incorporado ao seu patrimônio. E que patrimônio. Nova risada. A aba de seu chapéu acertou-me na orelha. A mocinha agora não apareceu na porta. Os noivinhos estavam ansiosos para serem atendidos logo.
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