12.1.09

DEBAIXO DA FIGUEIRA DE MEU AVÔ (trecho)

Do ponto de vista da política local, mais do que propriamente da geografia, a ruazinha Jacob Uchôa, pode-se dizer, dividiu a cidade de Pedro II por muitas décadas em duas metades: a do pessoal de baixo e a do pessoal de cima. Cada uma das metades sob o mando de um coronel. Como rua central de uma Pedro II provinciana, a Jacob Uchôa cortava a cidade de ponta a ponta na direção Norte-Sul, o que, estrategicamente, talvez, lhe autorizasse esse papel de divisora política de campos partidários opostos. Sob esse ângulo rivalizou-se, guardadas as proporções, com o Muro de Berlin, com a cerca que separa o México dos Estados Unidos e com a zona de exclusão que separa palestinos de israelenses. Em comum com essas outras zonas de tensão, a violência dos assassinatos, políticos ou não, ocorridos, muitos deles, à luz do dia. Um de seus oásis, a figueira que ficava debaixo da calçada da casa de meu avô materno, Bidoca Getirana.

Fora esses entraves da política local, a Jacob Uchôa, por décadas, teve lá o seu charme há algum tempo perdido. Agora não passa de mais uma rua comercial do centro da cidade com seus espaços abarrotados de gente, motos, carros e bicicletas, e lixo, muito lixo. A Jacob Uchôa, cuja grafia antiga mantenho, foi solapada pelo progresso e, como a quero retratar aqui, só existe, de fato, na memória de quantos vivemos ali.

A ruazinha Jacob Uchôa só existe como tal no passado. E é para lá, para esse passado, que os convido. Esqueçamos, pois, o burburinho que contaminou a ruazinha, esqueçamos os imponentes prédios comerciais que foram erguidos nela, roubando-lhe a alma ingênua de outrora. Esqueçamos o asfalto que, tal qual larva vulcânica engoliu as berdoéguas, os capimzinhos que teimavam em surgir por entre os paralelepípedos do calçamento. O outro nome da ruazinha Jacob Uchôa, portanto, agora é saudade.

Pelos fios da memória

Estou em boa companhia ao puxar pelos fios da memória. Lembro-me pelo menos de dois grandes escritores (nada de comparações) que já os puxaram muito bem, Marcel Proust e o nosso Manoel Bandeira e não custa nada pedir-lhes alguma luz nesse instante por sermos iniciantes nessas coisas de escrevinhar sobre as coisas do lembrar de novo. Invocados os guias, os orixás, todos os deuses, vamos à luta, ou melhor, à rua.

A propriamente dita

A Jacob Uchôa era muito arborizada desde lá das bandas do Campo de Aviação, onde terminava (ou iniciava) numa travessa, até seu final onde se perdia enviezadamente, é verdade, em meio à mata fechada que ia dar um pedacinho depois no Mirante onde ficava o sobrado do deputado, nas imediações do Olho d´água Bananeira. A ruazinha, na verdade, se impunha como uma das ruas mais importantes de Pedro II por vários motivos, além do alegado no início desse texto.

Embora não fosse uma das maiores em comprimento, na verdade era até pequena, ficava perto tanto do Mercado Central quanto da Igreja Matriz. Do cemitério tanto quanto do Clube 11 de Agosto e das praças da Igreja e Velha. Se, por um lado, parte da elite política e econômica da cidade morava no quadro da Praça da Igreja e parte nas ruas ascendentes à Jacob Uchôa, a ruazinha acomodava uma plêiade de moradores inesquecíveis.



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