eu canto a cidade
de qualquer canto da cidade
eu ouço o silêncio pegajoso no desespero dos conflitos
sonhos marginalizados
flashes fétidos a pipocar por suas cloacas
eu canto a cidade
feito um cão solitário
e em meu latido pálido
carrego as mágoas dos depauperados
nesse canto seco e sujo
nesse lócus estéril e profundo
meu grito é lâmina atroz, volátil
eu encanto a cidade
acesa nos corpos das meretrizes
no ronco dos bêbados com suas esquisitices
nos olhos esbugalhados dos viciados
eu moro na cidade
eu morro na cidade
e meus restos se confundem com o que de resto sobrou
da pulverização total dos dramas
no silêncio visceral das alcovas sangrentas das damas
na mutilação genital dos conceitos
mas às vezes, por questão de sobrevivência,
me calo com a cidade
e fico quieto
e engulo a saliva no ruminar perplexo do engasgo
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