Espaço democrático para a arte, literatura e todo papo inteligente de quem, como eu, sabe que 'a vida é breve e a arte é longa', como diz o poeta. Bem-vind@ a essa boteco das arte, na TERRA DA OPALA (Pedro II).
8.1.09
MÚSICA DA MELHOR QUALIDADE
Rádio França Internacional: copie e cole no seu computador.
MUDANÇAS NA LÍNGUA PORTUGUESA
VEJA NO SITE ACIMA
A MOÇA DE ANGOLA
A BRUXA
GRITADOR
galgando o espaço largo do pensamento
quando se olha a paisagem entre olhos
de ponta a ponta desponta gritador
é olhar-te e saber-se pequeno
diante de tanta largueza verdejante
é a palha de coco que volta em sobrevôo
a camisa atirada no precipício
que voa para trás fustigada pelas correntes de ar
gritador, espalhamento da borda do abismo
abissal dromedário de pedra
estabelecido no silêncio da paisagem desde idades imemoriais
gritador, senhor da paisagem que se derrama sobre nossos olhos
saído das entranhas da terra num passe de quase espanto
quando o mineral e o vegetal dialogam silentes
enquanto humanas almas simplesmente se encantam
RITA CADILAC
teve que dar a bunda
para conseguir sua aposentadoria
rita cadilac
teve que ser fodida
para que evitasse
que a vida lhe fodesse
pelo resto da vida
rita cadilac
reuniu a família
(filhos, filhas, genros, noras e netos)
e a todos, a todos mesmo, comunicou
do filme pornô que iria fazer
e trepou feito uma cadela no cio
com a sede medonha de cinco longos anos de abstinência
(diria na coletiva)
rita cadilac arreganhou o ânus sem ônus
e se ofertou inteira na tela comilona
sem ficção e sem dor
O LADO QUE FALTA DA LUA
num papel de chiclete
bebe a luz
que vaza da foice lunar
fria, a lua
também dita luna
também dita loba
também dita mulher
um dragão chinês
num papel de chiclete xadrez
toma para si
o silêncio pegajoso do astro poroso
e dorme embrulhado nele
enquanto estrelas o espreitam
de longe desde a garganta silenciosa
e negra do cosmo
MARIA PRETA (Trecho de meu livro que deverá ser concluído em 2009)
Maria Preta tinha por hábito acocorar-se no terreiro da casa de dona Zica para degustar o café que a outra preparava para tomarem às duas da tarde. Era sagrado. E não viesse Dona Zica com aquele negócio de minha filha, sente-se aqui que ela sentava mas só depois de um tempo. Agora, porém, com a barriga ia logo aceitando a cadeira que a outra punha para ela. Gostava mesmo era de sorver o café fumegante acocorada à sombra da goiabeira defronte da porta que dava para a cozinha. Grávida, tomava menos do que de costume, ficava até com vontade de tomar mais, mas resistia à tentação. Conhecia Dona Zica desde pequena, quando vinha desde
Maria Preta era pontualíssima. Após a passada costumeira pelo mercado para as compras da semana, sempre por volta das duas da tarde aparecia para uma conversa com aquela mulher que lhe recebia tão bem, como a uma filha muito querida. A visita se dava sempre às sextas, quando vinha buscar a trouxa de roupa para lavar no sábado lá para as banda do Pirapora. Muitas veze dona Zica também não entendia porque a moça havia se casado com o peste do ------. Olhasse bem para ela, tinha os cabelos longos, lisos e macios, mas os trazia presos em coque com um pente da vovó devido à ciumeira do infeliz.
As duas mulheres ficavam por algum tempo tomando o café e conversando sobre assuntos variados que, no entanto, terminavam numa espécie de conselhos por parte da mais velha e de abrimento de coração e de alma por parte da mais nova. Filha nenhuma expunha as profundezas de seu coração a uma mãe de verdade como Maria Preta expunha as suas à Dona Zica. Mãe nenhuma aprendera a conhecer a alma de uma filha como aquela mulher conhecia a de Maria Preta.
Naquela Sexta-Feira Maria Preta sorvia o café segurando a xícara com as duas mãos em forma de concha. Dona Zica já nem reparava mais nisso, resolvera aceitar Maria como ela era e ela era uma alma excepcional. Tinha o olhar muito vivo apesar de uma nesga de quase tristeza a pousar-lhe eternamente sobre as sobrancelhas, muito finas e bem desenhadas. A moça tomava seu café enquanto acompanhava os meninos que brincavam lá no fundo do quintal por entre os pés de cidreira, de banana, os pés de ceriguela e de umbu-cajá.
A PESQUISA (Trecho de Debaixo da Figueira de Meu Avô)
Quanta gente que se julgava importante tendo sido gerada no ôco do mundo, não é professor? Levantei os olhos cansados de tanto fuçar nos papéis velhos e a cara do outro estava a poucos palmos da minha. Vermelho como pimentão o homem me confidenciou histórias do tempo do bumba, em suas palavras.
Tanta gente aqui que acha que pode tudo, professor, e não passam de um bando de retirantes. O senhor já pensou, não passam de um bando de retirantes. A cara ficara mais vermelha. Senti em seu bafo quente com cheiro de cigarro uma zanga profunda que aqueles olhos miudamente esverdeados não me deixavam enganar. Um ódio destilado gota a gota ao longo de sua vida de guardador de documentos.
Eu sei de tudo que esses filhos de uma égua são. Conheço tudinho pelo rabo. Pelo cheiro da merda. Sei quem é neto de quem, quem é avô de quem, quem é parente de quem. Quem pulou a cerca com quem. Quem se meteu com cada qual. Sei tudinho. Muita merda, professor, muita merda. Muita catinga, o senhor me acredite mesmo. Esse aqui, ó, e apontou com o dedo que terminava numa unha bem tratada, pintada com esmalte transparente bem diferente de quando andavam com elas metidas em barranco de opala. Esse aqui mandou matar pra mais de uns doze. Doze que a gente sabe. Mas deve ter sido mais, muito mais. O cheiro de cigarro aumentara com a proximidade daquela cara da minha.
Esse outro aqui, só queria ser o tal, mas o merda não passava de um bastardo, o filho da puta. E riu alto, tão alto que a moça que atendia no balcão a um casal de noivinhos veio até à porta do depósito ver do que se tratava. Mas o homem nem ligou. Continuou rindo alto. Pegou outro papel. Esse aqui foi um dos maiores ladrões de terra que já deu por estas bandas. Não passava um ano que não mandasse para cá algum documento para ser carimbado e, incorporado ao seu patrimônio. E que patrimônio. Nova risada. A aba de seu chapéu acertou-me na orelha. A mocinha agora não apareceu na porta. Os noivinhos estavam ansiosos para serem atendidos logo.
7.1.09
OS FILHOS DAS PUTAS E OS FILHOS DAS SANTAS
Rua central, a Jacó Uchôa era passarela também de prostitutas que por ela desfilavam quando vinham comprar perfume na mercearia de seu Antônio Bela, mas aí já estamos na década de 1970. Antes disso, essas moças da vida sequer podiam vir ao centro da cidade a não ser no meio da noite quando precisavam comprar, de fato, algum remédio. Penicilina, sobretudo. Às vezes nem isso e então pediam que algum rapazote fizesse as compras. As pessoas terminavam descobrindo a identidade do rapaz e, quando os insultos se avolumavam a ponto de ele não mais poder suportá-los, elas encontravam outro. Eram os filhos das putas ou FDPs, como as senhoras casadas e de boas famílias os chamavam. Não era raro, porém, que em cada uma das boas famílias houvesse pelo menos um FDP por conta de um marido que escorregasse na casca de banana ou de uma moçoila que houvesse aberto as pernas para algum aventureiro encantador. Maricota dizia estas coisas e caía na risada mascando sua inseparável péia de fumo e encharcada de Serrana até não poder mais. O que entra tem que sair, de jeito e qualidade, meu padrinho. Tem que sair, tem que sair. E essa cidade é uma tuia de merda. Era seu bordão predileto. (Trecho de meu livro "Debaixo da Figueira de Meu Avô" - (sai em 2009))
Trecho de Torquato Pereira, de Ernâni Getirana
Saindo da bodega de Matias, caminhou um pouco até dobrar a esquina dos Carrapichos. Aí se deparou com o Cai n´Água Bar para outra talagada de serrana. Naquele ambiente já o esperava uma penca de amigos. Quando ele chegou assobiando daquele jeito o magote foi recebê-lo na porta do bar levando-lhe um copo de serrana da boa. Depois a turma toda tomou a rua dos Carrapichos e rumou em bloco para a vereda onde se iniciava a ladeira do Pirapora.
Desceram a ladeira flertando com as negritinhas que traziam a última lata d´água na cabeça para encher as quartinhas de barro das senhoras da sociedade que as mandavam colocar nas alcovas, sobre as penteadeira, por toda a noite. A dupla quartinha em cima da mesa e urinol debaixo da cama era sagrada.
CHICO FORMIGA
CHICO FORMIGA
Chico formiga Costumava tocar com a banda no Clube 11 de Agosto. Tocava um piston como poucos. Negro como era,ao assoprar o instrumento com aquela vitalidade que lhe era própria, Francisco do Nascimento, o nome verdadeiro de Chico Formiga, era um show à parte. O suor do esforço no ato de tocar escorria-lhe pela face emprestando à mesma um aspecto lustroso. Seu piston era um convite aos dançarinos para as mais ousadas evoluções sobre o assoalho devidamente encerado.
Metido num terno de brim, engravatado, sapatos supimpas, era sua indumentária. Então aquele homem negro ali de pé com as bochechas a ponto de estourar, aquelas bochechas que disputavam com o nariz largo o espaço mediano daquela face negra intrigantemente infantil e dona daquele espírito refinado de quem se propusera a compreender as pessoas custasse-lhe isso tempo ou saúde, ou os dois. Mais tarde, bem mais tarde eu iria compará-lo a Louis Armstrong!
Essas matinês do Clube 11 de Agosto aconteciam aos domingos logo após a missa. Apenas as famílias da “alta sociedade” podiam entrar no clube. Eu nunca fui do high society, mas estava sempre por lá ao pé do coreto vidrado na orquestra. Meu avô, que não era rico, mas era um intelectual, era sócio do Clube 11 de Agosto. Isso me permitia passar pelo porteiro, José do Carmo, sem ao menos ter que apresentar a carteirinha. É neto do seu Bidoca, pode entrar. Me dizia o bondoso homem e com um afago em minha cabeça me punha para dentro.
Havia algumas músicas que o piston de Chico Formiga apenas alinhavava. Outras ele dividia com o clarinete de Carlos Cordeiro e noutras, finalmente, ele solava impávido como um deus de ébano. Solava por alguns minutos. Na verdade era uma seqüência dessas músicas exaustivamente ensaiadas e que ao ser apresentadas punham a todos de queixo caído, principalmente a gurizada. Quanto aos adultos, como foi dito, estes saíam a bailar pelo salão em estado de graça.
Am mulheres com os cabelos ensopados de laquê, os vestidos de organsa fofos. Os homens de calça de garbadine, camisa de fio da Escócia. E tomava-se cerveja, cuba livre e coca-cola e guaraná. (Trechos de Umbanda por Estas Bandas, de Ernâni por Estas Bandas).